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Entrevista | Mira, un Lobo! «Estas canções abraçam a tristeza, aceitam-na e tentam celebrá-la»

Mira, un Lobo! – o artista português que, na ressaca de um despedimento, cria um disco a solo que o catapulta para um contrato discográfico internacional.

“Heart Beats Slow” foi editado em maio e Luís Sousa, mentor do projeto, falou-nos deste trabalho. 

Como surgiu este projecto?
Mira, un Lobo! surgiu na ressaca de um despedimento. Aproveitei o facto de estar desempregado para me dedicar à música, pela primeira vez, a full time. Primeiramente a finalizar aquele que foi o último disco dos MAU (a minha ex banda), “Safari Entrepreneur”, depois, um pouco por acaso, surgiram algumas composições das quais gostava muito, mas que fugiam ao conceito do disco da banda e que ia guardando na “gaveta”. Comecei a perceber que essas canções, as da “gaveta”, tinham uma coerência sonora muito grande e que mereciam um novo projeto musical a solo. A partir desse momento dediquei-me em absoluto a Mira, un Lobo! e às músicas que viriam a originar o álbum “Heart Beats Slow”.

Houve uma aposta de uma editora internacional, significa que vai apostar primeiro numa internacionalização?
A minha única aposta é mostrar o disco ao máximo número possível de pessoas. Tenho um orgulho enorme neste trabalho e sinto que merece ser partilhado. Um disco é muito pouco se não tiver ouvintes, se não tiver quem se ligue a ele. Se são portugueses ou de outro país qualquer, é-me indiferente. Que seja gente que goste de música e que a valorize.
Julgo que da parte da editora alemã Tapete Records, o objectivo é o mesmo. Uma internacionalização que passa também por Portugal.

Este projeto é totalmente diferente do seu projeto anterior, para além de ser um projeto a solo, houve uma procura de uma nova identidade sonora?
Não houve procura. Não foi algo pensado. Foi uma necessidade muito forte de transpor para os teclados, microfones, computadores, o que estava a sentir, num período da minha vida algo negro e difícil de ultrapassar sem me deixar abater pela depressão. Acabou por ser uma consequência sonora, absolutamente intuitiva e muito pouco calculada, do que se passava comigo e à minha volta. Foi um despejar de emoções muito fortes que se traduziram em melodias. É um registo em jeito de diário. Simplesmente aconteceu e eu registei.

Como disse, é um espelho muito exacto do que se estava a passar comigo durante aquele período. É muito complicado estar a começar uma nova família, com um filho, e deparares-te com uma situação de aperto económico como consequência de um despedimento. Mas ultrapassa o fator monetário. Um despedimento é uma ato de rejeição. Deixa-te sem força nas pernas… faz-te questionar o teu valor, o teu talento. É uma pancada na auto-estima muito forte. É fácil entregares-te à derrota (porque te sentes derrotado) e à depressão, esconderes-te debaixo dos lençóis e esperar que a tempestade passe. Eu procurei “abrigo” na música. Dedicando-me de corpo e alma ao que estava a fazer. Por vezes como forma de desabafo, outras como fuga, e ainda outras como estimulo para me levantar e seguir em frente. O disco espelha isso mesmo. Mas não de uma forma derrotista, demasiado negativa ou angustiada. Estas canções abraçam a tristeza, aceitam-na e tentam celebrá-la pela beleza que esse sentimento também tem. É nos momentos de maior tristeza que os mais puros sinais de amor se manifestam, por exemplo.

Além disso, estas músicas ajudaram-me a sair do buraco no qual me encontrava emocionalmente, ou seja, também transmitem esperança e a convicção de que as coisas vão melhorar no futuro. É muito bom perceber hoje que essa convicção estava certa.

Contou com participações especiais ou foi totalmente feito a solo?
Praticamente a solo, sim. Criei todas as composições e letras, toquei e cantei tudo no disco, à exceção das guitarras em dois dos temas que ficaram a cargo do Carlos Costa (ex MAU), das segundas vozes da Eliana Fernandes (ex MAU) num dos temas, e da voz do meu filho Gui (ainda bebé) no inicio da música que dá nome ao disco, “Heart Beats Slow”. A gravação foi toda feita em casa, assim como a primeira mistura. Depois, para limar certas arestas mais técnicas de finalização da produção do álbum e para a masterização, contei com a ajuda preciosa do Ricardo Fialho no Inversus Studios.

O vídeo da música “Serotonin” foi produzido por um realizador inglês, quer falar-nos um pouco sobre isso?
Na realidade foi realizado por dois realizadores britânicos, o Paul Storrie e o Chris Lee. Tudo surgiu por acaso. Um amigo meu, o António Pires, que na altura trabalhava em Londres numa curta-metragem realizada por esses dois realizadores, mostrou-lhes o tema e eles gostaram muito. Ofereceram-se para realizar o vídeo e eu, que já gostava do trabalho deles, nem pensei duas vezes. O resultado superou as minhas expectativas. Foi um vídeo caído do céu, numa altura em que dificilmente teria dinheiro para investir num videoclipe.

Gostei tanto que, agora com o apoio da editora, quis que realizassem o vídeo do segundo single, “Tramadol”. O resultado é igualmente excelente.

Que falar-nos sobre a escolha do nome desta projecto “Mira un lobo!”, nome em espanhol, canta em inglês mas é um artista português.
As línguas são efeitos, pedais, distorções diferentes para o mesmo instrumento, a voz. É assim que eu vejo a voz na música. A música, como qualquer arte, quer-se sem regras. Eu não tenho regras para criar. Da mesma forma que não me obrigo a cantar em português por ser de Portugal, também não me obrigo ao uso de um nome em inglês só porque canto em inglês. Apareceu-me o nome em castelhano e pareceu-me perfeito que assim fosse. Ficou. Não existe nenhuma explicação arrojada para o justificar.
Quanto ao simbolismo do nome, trata-se de um apontar de dedo aos nossos medos. A noção errada de que a culpa é sempre do “lobo”, de que a culpa é sempre dos outros. O desconhecido assusta-nos, é uma realidade humana. Mas o desconhecimento só se resolve de uma maneira, com conhecimento. A ignorância é a melhor amiga do medo e cabe-nos a nós, e não ao “lobo”, resolvê-la.

Quais são as expectativas para concertos aos vivo em Portugal?
Inicialmente não tinha pensado em levar este projeto para a estrada. Achei que seria um projeto meramente de estúdio. Entretanto, com a promoção do disco, os convites têm surgido, o incentivo dos amigos tem sido grande e a vontade de o mostrar ao vivo começou a despontar. A banda que me vai ajudar a transpor as músicas para concerto já está pensada e o trabalho de preparação para os ensaios já está a ser feito com a ajuda do meu parceiro de longa data, no que à música diz respeito, Nuno Lamy.
Até ao fim do ano contamos começar a tocar por cá, mas também lá fora.

Como caracteriza o tipo de música deste projeto, poderemos dizer que é eletrónica?

Sim, a base é eletrónica, mas não no sentido mais mecanizado e frio do termo. Não é eletrónica repetitiva, em eterno loop e sem melodia. São canções que se vestem de sintetizadores, mas que não descuram a melodia. Oscilam entre a melancolia lenta e a euforia explosiva. Falam de depressão, mas tentam apontar o caminho para fora dela.

Como vê neste momento a música em Portugal?
No que à música alternativa diz respeito, há, como nunca, muita gente criativa, talentosa e original a criar em Portugal. Mas, também como nunca, por já praticamente não haver industria musical a sério no nosso país, esses artistas não ganham o suficiente para se poderem dedicar por inteiro à música. Não chega ter boas ideias. É preciso ter tempo para as trabalhar. E ter tempo não é ensaiar duas noites por semana, ou reservar o fim de semana para compor umas coisas. É ter o privilégio de poder fazer disto vida. A larga maioria dos músicos portugueses não conseguem viver da música e dedicam-se a esta arte meramente como hobby. Isso reflete-se no resultado final. As boas ideias, na larga maioria das vezes, soam a inacabadas. É uma pena.

Entrevista por: Sofia Reis

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