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[Fotorreportagem] “Peregrinação” de Dulce Pontes no Tivoli
Dulce Pontes apresentou na passada sexta-feira, 10 de março, no Teatro Tivoli BBVA o seu novo álbum “Peregrinação” que já se encontra à venda desde o dia 28 de fevereiro.

Fotos: Márcia Filipa Moura

«Peregrinação é uma viagem interior, emocional, sobre a vida em tempos difíceis. Um CD duplo muito necessário para caminhar em estado de consciência.» — Maxi De La Peña

Leia o que Maxi De La Peña tem a dizer de “Peregrinação”, o novo álbum de Dulce Pontes:

«Viagem interior

O ser humano vive num mundo confuso e necessita empreender uma viagem interior numa busca que o conecte com as emoções.
Peregrinar é isso mesmo, percorrer um caminho para encontrar alguma coisa: as profundezas da alma. É o caso do novo duplo CD da cantora, instrumentista, compositora, arranjadora e produtora Dulce Pontes que, desde o álbum duplo Momentos, de 2009, não editava um disco de originais.

Foram cinco anos de caminho para Dulce, qual artesã de sons, dar forma a Peregrinação, num percurso efectuado com a colaboração de António Pinheiro da Silva.
Bragança foi o epicentro do processo criativo deste trabalho conceptual composto pelos discos Nudez, em português, e Puertos de Abrigo, maioritariamente em castelhano, mas com dois temas em galaico-português e um em inglês. A capital transmontana, onde se situa o seu estúdio caseiro, foi o seu refúgio criativo e o local onde gravou a maior parte dos temas. Os estúdios Namouche (Lisboa) e ION (Buenos Aires) completaram a peregrinação de Dulce. E o resultado é uma experiência ímpar, como tudo o que é feito com verdade. O bilinguismo de Peregrinação, uma reivindicação ibérica, não foi obstáculo já que as 22 canções, distribuídas pelos dois discos, mantêm uma linha de admirável coerência musical.

O primeiro CD, Nudez, é construído a partir da austeridade: Dulce Pontes passa de pianista a percussionista, tocando tambores, djembes, garrafas e tudo o que possa percutir. “Canto do Risco”, uma das composições originais, com poema de Gastão Neves, é disso um valioso exemplo. Este disco, no entanto, abre com a orquestra Roma Sinfonietta numa adaptação fadista do “Concerto de Aranjuez”, de Joaquín Rodrigo. Nunca tinha ouvido uma guitarra portuguesa como instrumento solista nesta peça universal, para a qual Dulce Pontes escreveu um belo poema. O fado destaca-se em “Grito”, um poema de Amália Rodrigues com música de Carlos Gonçalves (a mesma dupla de “Lágrima”), em que Dulce apresenta um registo fortemente emocional, acompanhando-se ao piano e contando com a participação de Marta Pereira da Costa na guitarra portuguesa. “Alfama” é o outro fado revisitado com as tradicionais guitarra portuguesa e viola de fado.

Como compositora, Dulce volta a musicar um poema de Fernando Pessoa, como fez em 1996 com “O Infante”. Do livro Mensagem, publicado em 1934, extrai “Nevoeiro”, um poema universal que dota a composição com um forte ritmo sincopado unindo, em crescendo, piano, concertina, trio de saxofones e percussão. A sua voz é mais ‘dura’ do que o habitual nesta inspirada composição, que culmina epicamente com o verso «É a hora». Outro poema de Pessoa é “Ah, a angústia, a raiva vil”, extraído do Cancioneiro, cuja composição é de tom surreal, com uma música de subtil beleza. Arrebatadora.

No tema “Vá de Retro”, outro original deste álbum, a voz multi-tímbrica de Dulce atinge um registo extremamente agudo, soando como se fora uma mulher da montanha. Amadeu Magalhães toca guitarra da terra (toeira), cavaquinho, bandolim e flautas, destacando a sonoridade do folclore português, ainda pouco conhecida além- fronteiras. José Afonso, Zeca, é homenageado com a sua canção mais popular, símbolo da Revolução dos Cravos, “Grândola, Vila Morena”. O arranjo é coral e Dulce instrumentista multiplica-se novamente, com o piano a lembrar uma caixinha de música. Em “Cantiga da Roda”. inspirada no folclore das Beiras (arquivo sonoro de Michael Giacometti), Dulce toca as cordas do piano, conferindo-lhe um ar barroco de inexplicável mística.

Nudez fecha com “Ele É Que Me Canta a Mim”, uma das melhores composições do álbum, e uma melodia profunda e emocional. “Bailados do Minho”, música de Artur Paredes, composta originalmente para guitarra portuguesa, ganha nova vida com um poema da própria Dulce.

No segundo CD, a viagem interior de Dulce Pontes continua com sotaque espanhol, transportando-nos a lugares físicos e humanos, onde encontramos protecção. O disco abre com “Suite Espanhola”, de Isaac Albéniz. Os primeiros arpejos da impressionante guitarra flamenca de Daniel Casares revelam “Asturias”, do compositor e poeta argentino Raúl Carnota, que escreveu o poema, mas não ouviu o resultado final pois faleceu em 2014. Neste tema, Dulce interioriza o intenso texto, que protagoniza, multiplicado-se nos coros de Gitanitas, como ela própria define, e sem esquecer as palmas nos momentos de apoteose. A chanson também tem o seu lugar numa versão em espanhol de “La Bohème”, de Charles Aznavour, interpretada apenas por voz e piano. Arrepiante.

O luxuriante som da Roma Sinfonietta, sob a direcção de Paolo Silvestri, volta a ouvir-se no tango “Maria de Buenos Aires”, de Astor Piazzolla e Horacio Ferrer. Outra obra-prima neste disco é “Alfonsina y el Mar”, que Dulce converte numa pequena sinfonia com coros que parecem sair debaixo de água. A textura etérea mantém-se com duas cantigas em galaico-português do trovador Martim Codax: “Ai Eu Ondas Vin Veer” e “Ondas do Mar de Vigo”. Com forte raiz andina, “Barro y Altura” é uma composição do mítico charanguista Jaime Torres. O tango “Vamos Nina”, da autoria de Astor Piazzolla e Horacio Ferrer, foi gravado em Buenos Aires, caracteriza-se pela música intrincada que avança como uma tempestade. Neste tema, Dulce tem ao seu lado Juan Carlos Cambas no piano e Walter Rios no bandoneon. Em “Volver”, a calma é apreciada com uma revisitação, como um cruzamento entre Buenos Aires e Lisboa. Belíssima esta versão.

A tranquilidade é quebrada com “La Leyenda del Tiempo”, um poema de García Lorca que Ricardo Pachón musicou para Camarón de la Isla no seu álbum mais transgressivo. Dulce Pontes, que não canta flamenco, tem um desempenho brilhante, com arabescos e uma energia incomum, uma atmosfera de flamenco-rock quando soa uma guitarra elétrica, um riff obsessivo que simula um baixo, acompanhada pela guitarra flamenca de Daniel Casares e pela impressionante bateria de José Pontes, o seu filho mais velho que aos 14 anos é considerado um génio deste instrumento. “La Peregrinacion” transmite tranquilidade e reflexão. O álbum encerra em inglês com “7th Sky”, uma composição íntima que é um sentido tributo à sua amiga, a designer Kaat Tilley, falecida em 2012.

Peregrinação é uma viagem interior, emocional, sobre a vida em tempos difíceis. Um CD duplo muito necessário para caminhar em estado de consciência.»

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