Cristina Branco «Hoje em dia os jovens respeitam o fado» [entrevista]

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“Idealist”, a lista ideal de Cristina Branco que resume 17 anos de carreira, muitas centenas de concertos em salas de todo o mundo e 13 discos editados, já se encontra à venda. A box – três discos com 58 temas divididos tematicamente por Fado, Poemas e Ideal – resume uma extensa discografia onde estão incluídos os mais marcantes para si, enquanto artista, mas também os mais relevantes para o seu público. A box contempla ainda três temas novos, dois deles completamente originais. ‘Fado da Partilha’ e ‘Se Fores, Não Chores Por Mim’, ambos com letra de Mário Cláudio e música de Ricardo Dias – e o tradicional Fado Estoril, intitulado ‘Na Rua do Silêncio’.

Em entrevista a fadista Cristina Branco falou-nos da sua carreira, de “Idealist”, do futuro e muito mais. Confira.
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Cristina Branco — «Não imaginei que deixasse de fazer a minha profissão, que eventualmente seria jornalista, para ser cantora. Foi uma casualidade e foi completamente inesperado»
Made in Portugal: Como é que uma estudante de Comunicação Social passa a ser uma das fadistas mais conceituadas em Portugal. O que pergunto é: Como surgiu o gosto pelo fado? Por influência de alguém?
Cristina Branco: Sim, surgiu pouco tempo depois de estar a estudar comunicação social quando eu tinha 18 anos, mas apenas como ouvinte, porque o meu avô materno me punha ocorrente de algumas coisas que se estavam a fazer no fado e que fugiam aos caminhos mais tradicionais. E foi aí que eu me apaixonei pelo fado. Eu não sai propriamente da comunicação social para o fado, até porque eu conclui os meus estudos e comecei a cantar bastante mais tarde…ou seja eu começo a cantar aos 23 anos, mas ainda assim, mesmo quando comecei a cantar, não imaginei que deixasse de fazer a minha profissão, que eventualmente seria jornalista, para ser cantora. Foi uma casualidade e foi completamente inesperado.MIP: Por norma os fadistas começam a sua carreira pelas casas de Fado. Isso não aconteceu consigo. Apesar de não ‘crescer’ num ambiente do fado, nasceu com o fado. Pelo que pergunto o fado não se aprende, sente-se?
C. B.: É isso mesmo. Eu gosto bastante de ir às casas de Fado e sempre que tenho oportunidade vou. É cada vez mais difícil porque tendo duas crianças e não se torna assim tão óbvio poder ir a uma casa de fado, mas sempre que estou em Portugal e tenho essa oportunidade vou. Mas há várias condicionantes ai porque eu estava à estudar como disse há pouco, não vivia em Lisboa e também uma coisa muito importante, é que ao conhecer o ambiente da casa de fados, que eu tenho um profundo respeito, não me imaginei a passar por ali, porque há uma monotonia associada aos dias nas casas de fado, com a qual eu não consigo conviver, mas isso é personalidade, sou eu, não é a cantora, é uma questão de personalidade.

Cristina Branco — «Estava morta de medo, tremia dos pés à cabeça»

MIP: Certamente um dos momentos que mais a marcou nestes 17 anos de carreira foi a primeira vez que subiu a um palco, neste caso um palco internacional, em Amesterdão. Ainda se lembra desse dia? Como se sentiu quando subiu ao palco, como correu?
C. B.: Ui, claro que me lembro! E foi terrível… como acho que deve imaginar. Ninguém no seu perfeito juízo podia estar tranquilo. Estava morta de medo, tremia dos pés à cabeça, com medo de várias coisas… medo de enfrentar um público pela primeira vez.
Imagine o que é uma miúda com 23 anos que sempre viveu em Portugal, que nunca viajou, de repente não só está num pais diferente do seu, a confrontar-se com uma cultura diferente da sua, a falar numa língua que não é a sua, perante imensas pessoas. A multidão maior que assistiu às minhas palavras, foram quanto muito moderais (risos) e não é assim uma grande multidão, portanto era tudo muito diferente e depois levava um reportório novo bastante extenso para cantar, portanto era tudo novo. Era tudo estranho, eram tudo corpos estranhos e como deve calcular estava morta de medo.
MIP:  “Idealist” é o seu novo disco, neste caso uma box com 58 temas divididos tematicamente por fado, poemas e ideal. Apesar de conter dezenas de temas, foi difícil escolher os mesmos?
C. B.: Foi muito difícil e é muito ingrato, para mim que os gravei e que são filhos queridos e para quem ouve. Se calhar há temas que as pessoas que seguem o meu trabalho gostariam de ouvir ali e que não vão constar, apesar de eu ter tentado o mais possível seguir os gostos do público. Desses 58 temas fazem parte muitos dos temas que foram os mais marcantes da minha carreira, temas que eu sei que foram muito dominantes do gosto do público…foi muito difícil de escolher!
MIP: A box contém ainda três temas novos, sendo que dois deles são originais. Fale-nos desses temas?
C. B.: Os originais são dois poemas de Mário Cláudio com música de Ricardo Dias. Foram feitos enquanto eu estava a gravar o “Não há só tangos em Paris” e na altura o meu marido tinha ido entrevistar o Mário Cláudio e ele enviou-lhe dois poemas que tinha feito, para eu olhar para eles e para os cantar, eventualmente, e eu apesar de sentir de imediato que aquele género de poema tem a música dentro, que é muito fácil de musicar e muito fácil de cantar e de ter ficado com muita vontade de os cantar, na altura não deu porque o disco “Não há só tangos em Paris” estava a cessar, portanto já não houve oportunidade de os introduzir e ficaram na gaveta à espera da melhor oportunidade e foi assim que neste disco viram a luz do dia. A minha luz, pois já tinham a luz do Mário Cláudio.MIP: Talvez ainda seja cedo para perguntar, mas questiono à mesma: já pensa num próximo disco de originais?

C. B.: Não está nada em preparação, mas tenho um vício horrível de quando sai alguma coisa para o mercado, fico logo a germinar qualquer coisa. O ponto de partida obviamente são esses três temas o tradicional, o fado Estoril (intitulado: Na Rua do Silêncio), num poema que me é muito familiar, porque o meu avô gostava de me ouvir cantar e que eu nunca cantei publicamente, era um dos temas preferidos do meu avô. É tudo temas originais e portanto a semente são esses três temas, mas ainda não está nada previsto.

Cristina Branco — «Enquanto Portugal não perceber que é na cultura que tudo começa, enquanto isto não for intrinsecamente aprendido não teremos grande futuro»
MIP: Estive a ver a sua agenda e os próximos meses segue-se para uma longa tournée internacional. O que me chamou mais á atenção foi o facto de ter agendado mais de 20 concertos na Holanda, e quase todos num só mês. Em Portugal, um artista para ter 20 concertos em poucos meses, tem de estar num ponto alto da carreira. Pergunto: à uma cultura musical em Portugal que tem que ser trabalhada? 
C. B.: Há uma cultura que tem que ser trabalhada, não só musical. A nossa cultura está a atravessar um momento difícil, mas há uma dicotomia, porque em termos criativos está muito bem e recomenda-se, mas depois temos a nossa cultura e o desvalorização que as nossas autoridades dão à nossa cultura é desgastante, é deprimente, não te incentiva a continuares a trabalhar, e é óbvio que tu tens que cultivar o público. És tu artista, tu cantor, tu pintor, tu escritor, que fazes o público. As pessoas precisam que as coisas aconteçam para poderem participar nelas, para terem acesso a elas. Não só torna-las mais baratas, mas também mostrar-mos que essa é a base da nossa identidade, da nossa sociedade. Enquanto Portugal não perceber que é na cultura que tudo começa, enquanto isto não for intrinsecamente aprendido não teremos grande futuro.
Depois num pais de um tamanho de uma caixa de fósforos como é a Holanda, consegues em um mês e meio fazer 32 concertos.
Cristina Branco — «Para quem começou à 17 anos como eu há uma diferença gigantesca entre o meu início e hoje. Hoje em dia os jovens respeitam o fado»
MIP: apesar disso, sente que o fado é cada vez mais acarinhado e respeitado, sobretudo pelos mais jovens?

C. B.: Sim, sem dúvida

Cristina Branconenhuma, cada vez mais! E para quem começou à 17 anos como eu há uma diferença gigantesca entre o meu início e hoje. Hoje em dia os jovens respeitam o fado. Eu lembro-me de quando comecei a cantar, os meus colegas diziam: “Fado?! Que coisa mais pindérica” – ninguém gostava, diziam ser uma seca e hoje em dia há miúdos a tocar, a ouvir…é incrível! Por isso é que eu digo, que nós a nível de criatividade e de público está cada vez melhor, só que ás vezes não podem ir, porque se um concerto custa 15€ há muita gente para quem esses 15€, sobretudo os jovens, é muito dinheiro.

MIP: Para uma fadista, que passa grande parte do tempo fora de Portugal, com que olhos vê o que se vai passando por cá?
C. B.: Com bastante tristeza, desilusão… Cada vez me custa mais ler as notícias, ouvir amigos meus que tinham uma vida estável e vê-los com a vida completamente destruída, ver músicos em peditório nas ruas… Isto é degradante duma sociedade. Já saiu tanta gente, e tanta de valor. As pessoas que saem hoje não são iguais às que saíram antigamente, e estamos a sair massivamente, e os que estão a sair são jovens qualificados, que ainda não fizeram a sua própria família e que o farão lá fora. E será que vão voltar? Muito possivelmente não.

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