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“De Não Ter Tempo” é o álbum de estreia dos Um Corpo Estranho

Aprendemos desde pequenos a suspeitar do estranho. A não lhe abrir a porta, a não aceitar as suas ofertas, a abordar com cautela e suspeição tudo aquilo que não faça parte de um mundo conhecido e, por isso mesmo, seguro. Mas antes da familiaridade há sempre estranheza, inevitável no contacto com aquilo que nos é novo.

Na música de João Mota e Pedro Franco, o duo Um Corpo Estranho, a estranheza apensa à designação é coisa de uma fugacidade momentânea.

Não se juntaram por acaso – escolheram-se. Tiveram suficientes bandas, passaram por experiências musicais q.b. para que, no momento de, qual ritual de acasalamento, seleccionarem o parceiro ideal com o saber acumulado responsável. Agora, aos trinta e picos anos, já não é tempo de falsas partidas, bluffs ou tiros de pólvora seca.
Com uma mescla de profundezas blues, acutilância pop e um devir do fado terem posto pela primeira vez a cabeça de fora em meados de 2012, a edição de um EP homónimo. Não era puxada a fórceps, chegava desapressadamente, depois de preparado o seu ambiente.

Agora, há um Oeste a latejar em De Não Ter Tempo, um Oeste que é fruto possível de uma sonoridade em que vibram cordas de ukulele e banjo. Mas um Oeste que confunde as coordenadas. Evoca qualquer coisa da lata de feijões aquecida uma lareira, pistola repousada no coldre de um caubói mítico norte-americano, mas não chega com uma pompa morriconiana inventada à distância. Um Corpo Estranho não é épico. É telúrico até mais não.

Até porque De Não Ter Tempo vive de uma escala local: a língua inglesa nunca consegue entrar. É estripada das canções, mantida ao longe, impedida de se aproximar de uma sonoridade que lhe seria, afinal, estranha. Porque tudo aquilo que há de sedutoramente universal nas canções de Um Corpo Estranho é depois amplificado por uma impagável ressonância familiar.
As palavras querem a liberdade da poesia, arriscam um sentido catártico, mas sobretudo acreditam que chegado o verso inaugural por inspiração mais ou menos divina, todos os outros tratam de se aprumar e preparam a sua convocatória inevitável para o poema.

Portugal passeia-se por aqui e não apenas na simples adopção do português como língua a habitar cada verso. Há todo um imaginário que transborda o país, uma insinuação constante da cartilha fadista, há uma permeabilidade ininterrupta aos resquícios da música tradicional, há o acordeão de Celina da Piedade, a versão de “Vem (Além de Toda a Solidão)” caucionada por Pedro Ayres Magalhães, e a afirmação derradeira de uma latinidade que não descansa.

De Não Ter Tempo significa também esse recolhimento. Depois do deslumbramento com o mundo na adolescência, saber virar o olhar para dentro e perceber que não há verdade mais verdadeira do que essoutro mundo, próximo, ao alcance da mão, que conhecemos pela frente e pelo avesso, que está incrustado nos dias e que, ainda assim, se revela sempre como algo maior e explicável.

Concerto de apresentação:
21 de Fevereiro – 23:30h
Sala Visconti, Braço de Prata

Acompanhe Um Corpo Estranho em: facebook.com/umcorpoestranho
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