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Afonso Pais «”Terra Concreta” é um cartão de visita, uma forma de expor a música e criatividade a novas premissas»
Afonso Pais editou recentemente um novo álbum.
Afonso Pais

Afonso Pais

“Terra Concreta” nasceu da ideia de levar a música de volta à sua primeira origem, a natureza. Este é um projecto de Duos, no qual a música foi criada tendo o meio natural como veículo de inspiração e influência. Fora do estúdio ou da habitual sala de espectáculo, cada uma das composições foi registada nas zonas mais remotas dos nossos Parques Naturais, e também na ilha do Bornéu (Vale do Danum), onde a floresta intocada é a mais fértil na paisagem sonora que apresenta. Feito sem geradores, só com instrumentos acústicos e com a textura irrepetível dos sons naturais como mote, o registo em disco representa cerca de um ano de incursões no campo, resultando na selecção de temas que melhor representa o momento espontâneo e consequente do meio-envolvente.


O resultado é absolutamente original!



A tua ligação com a música teve início muito cedo. O que te influenciou a interessares-te por esta área?

Nem saberia bem explicar, todas as razões que levam ao meu interesse pela música têm na sua raiz o prazer que infalivelmente extraio no acto de fazer e ouvir música, e sempre assim foi. Nem estou certo que a explicação esteja em mim como indivíduo… pode estar na universalidade da música, e só depois no tipo de sensibilidade que cada um tem ao seu apelo e abrangência. Sei que ter instrumentos musicais lá por casa quando era pequeno facilitou imensamente a procura das notas e de um sentido de expressão musical.

Em 1998 a convite de Erik Moseholm, participaste no projeto “European Jazz Youth Orchestra”, onde foste considerado uns dos 19 mais talentosos jovens músicos de jazz. Com esse projeto estiveste em digressão por dezenas de países. Fala-nos um pouco dessa experiência.
Foi a primeira vez que vivi a experiência de viajar com o propósito de tocar, sendo recompensado financeiramente. De todas as outras formas imagináveis também: conheci pessoas da minha idade ou quase que também queriam ter a música como centro das suas vidas, convivi com um amigo e músico com quem hoje partilho discos e palcos, para além de uma forte amizade (Albert Sanz, pianista), gravei os meus primeiros improvisos em disco, em Berlim, toquei para públicos pertencentes a diferentes culturas e por conseguinte com apreciações e reações distintas das que conhecia previamente. Comemorei o meu décimo oitavo aniversário na Latvia, com os colegas de orquestra em palco, mais tarde na noite com uma amiga local, fomos ao cinema ver um filme de Woody Allen.

Mais tarde és contemplado com uma bolsa de estudos pela Berklee College of Music, onde ingressas na prestigiada New School University / Mannes College of Music, em Nova Iorque. Lá tiveste a oportunidade de enriquecer-te musicalmente e de estar ao lado de vários músicos. Como foram esses tempos em Nova Iorque?
Vivi mais de cinco anos em Nova Iorque, entre uma fase de estudo universitário e uma outra de permanência com o propósito de trabalhar, tocar e conhecer a comunidade musical, e perceber como é a “vida real” por lá. Vivi momentos irrepetíveis, com alguns dos meus heróis musicais, em convívios, participações em concertos deles, sessões musicais em casa de alguém, fiz amigos, ouvi regularmente os mestres do meu e de outros instrumentos em concerto… cheguei a sentir que poderia viver ali o resto da minha vida. Tempos como os que vivemos entre os dezoito e os vinte e quatro anos não só não se repetem como moldam quem somos daí em diante. Assim foi comigo, em Nova Iorque.

Afonso Pais

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«É por isso um trabalho que simboliza uma nova plataforma sobre a qual poderei ir trabalhando daqui para a frente»

Relativamente ao teu novo trabalho discográfico. “Terra Concreta” foi feito e gravado na natureza. Como surgiu esta ideia? Porque esta opção?
Surgiu não como opção ou ideia, mas como uma experiência associada a um desejo até então silencioso de que fosse possível associar dois pontos essenciais à minha vida e felicidade: música e natureza. É por isso um trabalho que simboliza uma nova plataforma sobre a qual poderei ir trabalhando daqui para a frente, sempre que for desejado e possível. O disco “Terra Concreta” é o primeiro marco físico desta forma de expor a música.

«uma experiência que envolve todos os sentidos e o remete para o universo atávico do propósito primordial da música»

Como defines “Terra Concreta”?
A forma mais prazerosa de fazer música, no momento em que a gravamos, que já tive a oportunidade de experienciar. Para o ouvinte, uma experiência que envolve todos os sentidos e o remete para o universo atávico do propósito primordial da música, como manifestação de um imaginário colectivo algo reprimido mas totalmente partilhado.

 

«estive um ano com os convidados e convidadas a gravar nas nossas reservas ou parques naturais»

Os temas foram gravados num só take? Pergunto isto, porque ao estar a gravar na natureza, é difícil os takes ficarem iguais, pois é o oposto do estúdio onde há isolamento. Como foi o processo de produção?
Cada take constante no disco corresponde exactamente ao que aconteceu no lugar natural em que foi gravado. São onze temas no total, e por cada um dos temas que incluí no CD existem em média dez tentativas as quais não me satisfizeram. A selecção foi feita no sentido de escolher o take ideal, ou seja, aquele que perdure por se destacar como “o definitivo”, pela forma como conjuga o momento natural e a mensagem musical pretendida. No total, estive um ano com os convidados e convidadas a gravar nas nossas reservas ou parques naturais.


Os Parques Naturais onde gravaste foram escolhidos por alguma razão em especial ou foi um pouco ao acaso?
Cada local de gravação, tal como cada participante nos duos, foi escolhido / escolhida de antemão segundo um critério meu de compatibilidade tímbrica, interpretativa e de articulação com a música a ele / ela atribuída. Claro está que a transposição desse critério para a escolha concreta do lugar é do âmbito da subjectividade, e neste caso tal como em qualquer outro a correspondência com a escolha concreta subjaz ao imaginário do autor. Porém, questões como a acústica do lugar, a avifauna ou o tipo de arborização influenciam o registo audiovisual da canção tocada, e por isso visitei cada lugar antes de escolher quem quis convidar para gravar onde: existe pois uma correspondência pretendida entre a canção, o participante e o lugar; do mesmo modo o clássico “singing in the rain” confronta propositadamente o estado de alma mais positivo com a adversidade do meio envolvente, como forma de reafirmação ou ênfase da certeza da mensagem a transmitir. Ou, se formos mais longe, a subversão de subversão dos momentos de “Laranja Mecânica” em que Alex e os seus parceiros praticam actos de violência no lar de um casal indefeso numa noite de tempestade, ao som de “singing in the rain”, traz-nos o sentido então literal da chuva como pano sonoro de fundo da situação trágica, e em simultâneo temos como pano de fundo do pano de fundo a índole leve e positiva da canção e do seu contexto por nós previamente conhecidos, havendo assim uma estranha sensação de familiaridade que nos reporta ao olhar do personagem principal e ao conteúdo da sua mensagem, por mais agressiva, provocadora e oposta aos valores com que nos identificamos. Enfim, o lugar da canção no disco, na geografia das nossas reservas naturais e a na escolha da colaboração perfazem a narração musical no “Terra Concreta”, e o resultado final reflecte um planeamento e antevisão por mim cuidadosamente procurado.

«para todos nós os obstáculos e incentivos que encontrámos foram sendo surpreendentes»

 



“Terra Concreta” conta com várias colaborações, como Luísa Sobral, Joana Espadinha, João Firmino, entre outros. Como surgiram estas colaborações? Já se conheciam antes?
Conheço e convivo com todos os convidados do disco, e as colaborações aconteceram só depois da apresentação da ideia a cada um deles. Para além dos que enumerou, participaram: Rita Maria, Beatriz Nunes e Albert Sanz. Todos eles souberam do que se tratava, mas o mesmo não posso dizer da experiência de gravação propriamente dita, pois para todos nós os obstáculos e incentivos que encontrámos foram sendo surpreendentes, e tornando o processo um desafio produtivo. Em última análise o resultado final reflecte o somatório de imprevistos que em cada take escolhido tornaram o disco tão particular e conseguido.

Tencionas gravar mais músicas dentro deste registo ao ar livre?
Sem dúvida. “Terra Concreta” é um cartão de visita, uma forma de expor a música e criatividade a novas premissas, um registo “on-going”, que vou querer continuar sob a forma de novas intervenções na natureza que disponibilizarei on-line ao longo de futuros trabalhos discográficos e do meu percurso.

Para além do resultado final das músicas ser surpreendente, não pude deixar de me encantar com a caixa onde vem o disco. Numa altura em que os discos físicos vendem cada vez menos, os artistas vão se aos poucos “desleixando” um pouco com o que vem junto ao álbum, mas no teu caso nota-se uma preocupação de tudo ser conjugado com as músicas, neste caso com a natureza. De quem é a autoria deste design da caixa que acompanha o disco?
A arte gráfica ficou a cargo do Luís Lázaro, a quem confiei a tarefa desafiante de transpor para o objecto físico o conceito do disco, e das suas múltiplas vertentes. Foi um trabalho de total entrega em que o bom gosto e originalidade do Luís tornaram apetecível a audição do disco e a exploração de todo o processo de gravações, documentado fotográficamente pelo António Castelo (AID Nature) no livreto que podemos encontrar depois de explorar todo o encarte desdobrável. Quem ouvir o disco simplesmente explorando o objecto físico (CD) terá um lugar cimeiro no processo e feitura do mesmo.

A nível de concertos de apresentação do álbum. Há já datas agendadas? O que podemos esperar desses concertos?
Não tenho a pressão ou expectativa de apresentar o disco acto contínuo no seguimento da edição em CD, ao contrário do que vem sendo apanágio da herança que nos chega de uma pesada indústria musical com tradição de trabalhos de desgaste rápido e de cariz profuso e efémero. Este é um trabalho discográfico, claro, mas não se esgota nas canções que o conduzem nem se revê na pretensão de uma venda desenfreada de atuações e CD´s. Este disco é um primeiro marco e representação física de viabilidade e bom presságio do projeto. Tenho no entanto o desejo de tranquilamente ir encontrando contextos ou iniciativas que possam acolher sem compromissos para nenhuma das partes esta forma tão completa e completamente simples de trazer a natureza e a música às pessoas. Como exemplo disto, destaco uma atuação que fiz com este repertório num passado recente: o dia da Biodiversidade, tendo como pano de fundo Lisboa, no Anfiteatro Keil do Amaral em Monsanto (primeira fotografia da publicação alusiva a este concerto).

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