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Entrevista | Fúria do Açúcar “fomos ao passado buscar várias referências positivas da nossa memória colectiva nacional e integrámo-las numa linguagem atual…”

Quem não se lembra destes temas, grandes sucessos do passado e que ainda hoje sabemos a letra de cor: “Eu Gosto é do Verão”, “Rei dos Matraquilhos”, entre muitas outras…dos Fúria do Açúcar, que estão de volta, com o disco “A Fúria Contra-Ataca”.


Em 2013 vestem-se a rigor para dizer a brincar o que toda a gente quer ouvir! Cinco super-heróis em palco, Relâmpago (João Melo) – voz e guitarra, Osíris-baixo e voz, Electrion-bateria, Atlântida-violino e Indra-teclados e voz fazem a festa.

O Made in Portugal esteve à conversa com João Melo, membro e mentor do projeto.

Made in Portugal: Volvidos alguns anos os Fúria do Açúcar estão de volta, com novos elementos e nova imagem. Estas mudanças estão de algum modo ligadas à a cerca de 10 anos de inatividade da banda?
Fúria do Açúcar: As mudanças na banda têm a ver com o percurso pessoal de cada um, quando a partir duma certa altura o projeto se esvaziou; decidi abandoná-lo, passando a última década nos bastidores, ligado quase só à produção de música infantil, que durante muito tempo preencheu a minha necessidade de liberdade criativa. Depois de querer regressar em novos moldes, era lógico que o fizesse com músicos que comungassem do meu atual estado de espírito.


MIP: Porque razão se apresentam como super-heróis? 
F. A.: Percebi que no passado a imagem e comunicação da banda eram algo incoerentes e para o novo trabalho entreguei essa pasta a uma equipa de profissionais; a ideia era criar uma estética que espelhasse o conteúdo sonoro e ideológico do CD. As personagens dos super-heróis não são postiças, foram criadas como extensões de nós próprios, como se levados ao extremo assumíssemos aquelas formas. Até o super-homem se divide em duas personalidades distintas, a privada e a pública; esta é a nossa forma de fazer essa distinção e é através das personagens que transmitimos o conteúdo deste trabalho.


MIP: Fale-nos um pouco do novo disco: “A Fúria Contra Ataca”. O que apresenta de diferente dos anteriores?

F. A.: Provavelmente todos os artistas dirão o mesmo do seu último mas este é de facto o melhor trabalho que já fizemos! Penso que conseguimos manter a matriz que tornou a banda conhecida, era essencial não perder a identidade da “marca” mas tornámo-nos mais concisos e maduros; em face das atuais circunstâncias do país pretendemos contribuir com a nossa quota-parte como artistas para entreter, bem como alertar. Neste trabalho fomos ao passado buscar várias referências positivas da nossa memória colectiva nacional e integrámo-las numa linguagem atual, porque acreditamos que nenhuma pessoa ou grupo de pessoas terá futuro sem uma memória; a nossa anda esquecida ou a ser destruída.

MIP: O disco já estava a ser preparado há algum tempo ou surgiu de um momento para o outro?
F. A.: O trabalho surgiu na sequência dum convite para tocar no espetáculo da passagem de ano 2010/2011 no Terreiro do Paço em Lisboa. Aceitei o desafio, reativei a banda e a sensação foi fantástica: voltei a ter gosto pelos espetáculos ao vivo; a partir daí soube também que queria um repertório que
refletisse o que sou agora e sentia-me cheio de ideias novas para transmitir. Comecei a escrever e compor estes temas no início de 2011 e a principal condição que impus a mim mesmo foi a de que não embarcaria no projeto para fazer mais do mesmo; o pior da grande parte das bandas que “regressa” é quando se tornam bandas de tributo a elas próprias. Tive de me reinventar, o que surpreendentemente se revelou um processo fácil, talvez porque de facto já não seja a mesma pessoa; em pouco tempo escrevi e compus material para dois CDs.

MIP: O que se pode esperar de um espetáculo ao vivo dos Fúria do Açúcar?
F. A.: A Fúria do Açúcar sempre teve excelentes músicos, dos melhores que há em Portugal! A competência técnica era e é muito acima da média; não é por acaso que músicos do S. Carlos, Madredeus, Rui Veloso, Fausto, Tito Paris e Ana Moura entre outros tenham feito parte da banda. Este era o seu espaço de loucura e por isso, nos primeiros tempos, depois de nos tornarmos conhecidos do grande público, estranhámos alguns comentários de pessoas verdadeiramente surpreendidas com a qualidade musical da banda; penso que isso se deve ao facto de na cabeça do público o humor ser um género “fácil” ou dado ao desleixo e nas presenças de artistas em programas de TV (onde quase todos são em playback, nunca há condições para ser ao vivo) nós assumíamos isso descaradamente. Além do som que na gíria designamos como tendo “caroço”, a Fúria costuma ser… puro divertimento.

MIP: Como define atualmente a música em Portugal?
F. A.: Esta pergunta tem uma resposta complexa e certamente não se refere à música como arte pura ou erudita mas ao chamado “music-business” ou “música de variedades”, onde se inclui praticamente todo o pop, rock, dance, etc. Sendo assim, o “negócio da música” pressupõe um mercado: fornecedores e consumidores; em Portugal esse mercado está péssimo e ao nível editorial quase inexistente! Há potenciais consumidores como em todo o lado mas:
1- os “produtos musicais” assim como o ouvido do grande público estão geralmente formatados a um determinado gosto;
2- tal como outros produtos, os “fornecedores” nacionais têm dificuldade em “expor” o seu trabalho nas montras, vulgo rádios, televisões, etc.
3- os consumidores em Portugal não têm meios para adquirir o “produto” musical, preferindo gastar noutros bens essenciais e consumindo apenas o produto musical que é “de graça” (o que passa nas rádios, televisões, downloads ilegais, espetáculos sem bilheteira, etc). Para gastar dinheiro em CDs concentram os recursos disponíveis em colectâneas ou produtos que transmitam através de bons meios ou vários artifícios uma “sensação de qualidade”; em downloads basta uma música, “aquela” de que se gosta mesmo; em espetáculos são preferíveis os festivais onde há “vários pelo preço de um”…
Com este cenário de fundo concluo que tivemos muita sorte em ter uma editora que financiou um projeto tão difícil de rotular e em que, exceptuando um pedido explícito para refazer um sucesso antigo, fizemos tudo o quisemos, à nossa maneira! É incrível mas é verdade: se esquecermos o facto de esperarmos ter um público, este trabalho poderia ser uma obra de arte!

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