Home   /   Notícias  /   Entrevista – Marco Rodrigues | “Fados do Fado”: Um Mundo Sem Tempo
Entrevista – Marco Rodrigues | “Fados do Fado”: Um Mundo Sem Tempo

 

11707590_889356614468631_4134900882342715386_n (1)

Entrevistamos o fadista Marco Rodrigues. Falamos sobre a descoberta do seu talento para cantar, da paixão pela cidade de Lisboa, da importância da decisão da sua mãe em inscrevê-lo na Grande Noite do Fado (1999), que o levou a conhecer o fado e ser fadista. E, claro, do seu mais recente trabalho, “Fados do Fado”, a sua homenagem aos Homens do Fado.  O percurso de um fadista da nova geração para conhecer aqui:

1. Marco, nasceste em Amarante, depois com oito anos foste viver para Arcos de Valdevez. Foi lá que começaste a cantar ou em Amarante isso já acontecia?
A música sempre esteve um pouco presente. Em Amarante, de uma forma um pouco mais leve, cantava nas festas da escola, gostava de ir para o palco e cantar. Mas, o meu primeiro grande contacto com a música foi a partir do momento em que fui para Arcos de Valdevez.
O meu pai já era músico e, uma vez, ele estava a ensaiar na garagem e cheguei lá e comecei naturalmente a cantar com ele. Ele achou que estava a cantar bem e a partir daí comecei a partilhar algum do seu repertório.

2. O que é que costumavas cantar? Fado?
Fado nunca. O primeiro contacto com o fado foi mesmo quando vim para Lisboa e a minha mãe me inscreveu na Grande Noite do Fado, em 1999. Eu já tinha ido uma vez a este evento no Porto por brincadeira e fiquei em 2º lugar. Tinha apenas aprendido a cantar “Tudo isto é fado”.
Efetivamente o grande contacto é mesmo em Lisboa, onde comecei a perceber todo o misticismo que envolve esta música.

3. Consideras que a tua mãe teve um papel fulcral em te inscrever na Grande Noite do Fado? E, por conseguinte, em te teres tornado fadista? Ou achas, que por te teres mudado para Lisboa, mais tarde ou mais cedo esse encontro com o fado poderia surgir?
Sem dúvida. O facto de me ter mudado para Lisboa poderia ter acontecido. Mas esse encontro não foi assim, de uma forma natural. Esse encontro foi porque a minha mãe me inscreveu na Grande Noite do Fado e a partir do momento em que participo e começo a conhecer outros fadistas, outros músicos, é que comecei mesmo a querer conhecer mais e a ficar mais dentro do ambiente. Se não fosse a minha mãe, a probabilidade de eu ser fadista poderia ser um pouco remota, mas nós nunca sabemos o percurso. O que é certo é que no meu percurso é, sem dúvida, fundamental o facto de a minha mãe me ter inscrito na Grande Noite do Fado.

4. Depois começas o teu percurso enquanto fadista, nas casas de fado. Primeiro, no Café Luso e, desde 2012, na Adega Machado. O convite para cantares no Café Luso, em Lisboa, foi uma consequência da tua participação na Grande Noite do Fado? Que experiências nas casas de fado têm orientado o teu caminho?
Depois de eu ter ganho a Grande Noite do Fado, surgiu o convite para eu ir ao Café Luso para as pessoas me ouvirem, particularmente a partir do convite do guitarrista Edgar Nogueira, que foi também uma das pessoas fundamentais para este meu percurso no fado. A partir daí, foi um processo natural. Comecei a cantar no Café Luso a substituir pessoas que iam faltando, folgas e férias até que conquistei o meu lugar. Entretanto, comecei também a tocar viola.

Marco Rodrigues | Caixa Ribeira 2014 © Joana Constante

Marco Rodrigues | Caixa Ribeira 2015
© Joana Constante

A experiência nas casas de fado tem sido essencial. Se formos ver a história de vários fadistas, mesmo os que neste momento já estão com uma carreira mais assinalável e com mais notoriedade, todos eles passaram pelas casas de fado. A casa de fado é sem dúvida uma escola essencial para uma música que se transmite oralmente. Portanto, se assim é, nada mais enriquecedor do que tu viveres uma noite de fado, conheceres as pessoas que lidam com o fado diariamente (músicos, letristas, fadistas), ouvires as histórias dos mais antigos. Esse processo na casa de fado é essencial para se evoluir nesta música.

5. A nível discográfico, editas o teu primeiro álbum em 2006, “Fados da Tristeza Alegre”, segue-se “Tantas Lisboas”(2010) e “EntreTanto” (2013). E, surges agora com um novo trabalho. Fala-nos um pouco de “Fados do Fado”.
Ao contrário dos três discos de originais em que eu quis mostrar a minha forma de “criar” o fado, de mostrar músicas novas, compor canções novas e com abordagens diferentes, e que são a minha forma de estar na música. Resolvi, depois deste percurso nas casas de fado, da experiência de compor e de partilhar músicas com intérpretes de outras áreas, lançar este disco. Há, pois, uma maior maturidade para ir buscar grandes clássicos reconhecidos no meio do fado e sinto-me como intérprete maduro o suficiente para poder apresentar a minha interpretação. Aliás, foram todos muito bem cantados, e cantados por variadíssimos intérpretes e, penso que chegou o momento de homenagear este legado dos homens no fado.

6. Como foi feita a seleção dos autores e dos temas?
Foi muito simples. Pensar em alguns dos homens que foram muito importantes, perceber quais foram os temas que, na interpretação deles, foram bastante conhecidos e que as pessoas do meio do fado reconhecem, os temas de que eu gostava de cantar e que fossem indicados para eu dar o meu cunho pessoal e a minha interpretação. Sendo que, esta seleção foi feita também pelo João Pedro Ruela (produção executiva) e pelo Diogo Clemente (produção musical). O meu objetivo foi homenagear os homens do fado em geral, não só fadistas, mas também letristas, compositores…

7. Foi fácil tornares estes temas teus, uma vez que a maioria são temas protagonizados por grandes intérpretes e são muito marcantes para algumas gerações. Conseguiste, facilmente, desprender-te dessas interpretações e dar asas à tua criatividade fadista?
Sim, porque nunca tinha cantado esses temas (exceto “Acho Inúteis As Palavras”), e porque nunca tinha criado alguns vícios que às vezes criamos, naturalmente, quando cantamos um tema todos os dias. Fui buscar o que de melhor esses intérpretes fizeram nesses temas e ouvi várias interpretações para, depois, dar a minha própria abordagem. Se, por um lado, eu nunca os cantei, por outro, não criei vícios e, por outro lado ainda, consegui absorver várias interpretações e várias formas de os interpretar. Agora é muito relevante: os temas são bons por si mesmos e quando digo isto significa que não precisam de muitas coisas. Precisam só que sejam interpretados de uma forma transparente e tocados muito bem. Aliás, estes artistas fizeram-nos muito bem e com menos condições que, neste momento, temos para gravar um disco.

8. Nos discos anteriores, principalmente, no “Entretanto” referias que tinha havido uma preocupação de levares uma intimidade, uma verdade e proximidade que há no “habitat” natural do fado, as casas de fado e de o transportar, através da tua voz, da tua interpretação e a dos músicos para o álbum e consequentemente que este propósito fosse sentido pelas pessoas, que ao ouvirem elas sentissem que te estavam a ouvir ao vivo. Consideras que com este disco esse propósito está ainda mais vincado?
Sim. Eu acho que isso é a procura constante para um intérprete que grava um disco de fado. Tem que estar nessa procura constante, para transportar todo esse sentimento, esse intimismo, toda essa forma especial que o fado tem, de conseguir transportá-la para estúdio. E, neste disco, acho que esse trabalho foi ainda mais conseguido, porque, sendo um disco com grandes clássicos, acho que ainda consegue ser mais fácil transportar isso.

9. Em todos os teus trabalhos discográficos, e este não é exceção, a cidade de Lisboa tem tido uma presença constante, quer em temas que lhe são particularmente dedicados, quer em histórias que têm como pano de fundo a cidade. Essa escolha resulta de sentires a cidade como tua, tornando-se uma fonte de inspiração para o teu trabalho. Ou para ti é algo natural, tendo o fado nascido em Lisboa, não faria sentido de outra forma?
Foi naturalmente a cidade de Lisboa que se foi incorporando nos meus discos. Como estou muito confortável a cantar Lisboa, porque me apaixonei por ela, porque foi ela que me fez crescer enquanto músico, intérprete , homem, pessoa, naturalmente foi mais a cidade de Lisboa a entrar nos meus discos do que eu a ir buscá-la.

Marco Rodrigues | Caixa Alfama 2014  © Joana Constante

Marco Rodrigues | Caixa Alfama 2014
© Joana Constante

10. Cada vez mais o público que gosta de fado é mais diversificado. Havendo um público cada vez mais jovem, consideras que este disco pode ser uma boa oportunidade para este público conhecer ícones e criações importantes , que fazem parte da história do fado e da música portuguesa?
Sem dúvida. Estes temas atravessam gerações. A minha intenção é que as pessoas, ao gostarem da forma como eu abordo estes temas, possam ir à procura de quem eram os intérpretes deles, possam ir conhecer um pouco do trabalho do Max, do Tristão da Silva, do Tony de Matos. E assim acabar por conhecer as pessoas que estou neste momento a tentar homenagear homens que às vezes vão caindo no esquecimento.

11. E “EntreTanto” passaram-se 16 anos de carreira como fadista, intérprete, músico, estes anos foram essenciais para fazeres agora este álbum de homenagens? Não faria sentido apresentá-lo antes?
Não faria mesmo sentido apresentá-lo antes. Todos os dias tenho contacto direto com os fadistas e músicos, e eu próprio acompanhar os fadistas de várias formas diferentes faz com que haja um conhecimento maior e com que amadureça. E também depois de apresentar três discos de originais, aí sim já tenho também propriedade para mostrar a minha maneira de ver estes temas.

12. Podes revelar algo sobre os concertos de apresentação deste novo trabalho?
Neste momento, estamos a preparar a tournée e já estão alguns concertos agendados. Contudo, a grande apresentação deste disco, será no dia 18 de setembro no palco principal do Festival Caixa Alfama, em Lisboa.

 

Texto e fotos (preto e branco): © Joana Constante

Made In Portugal

Related Article