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Entrevista | Richie Campbell «O público português é o melhor público de todos»

Richie Campbell está de volta ao Campo Pequeno já no próximo dia 19 de Dezembro, num concerto que assinala o final da “FOCUSED” Tour. Para este espetáculo, Richie Campbell convidou Gentleman, Richie Stephens e Dengaz para estarem em palco.
Este espetáculo terá uma produção diferente da habitual e apresentada durante a digressão, com momentos únicos, com um alinhamento nunca apresentado ao vivo, que resultará num DVD da FOCUSED Tour.

Audio da entrevista:

Made in Portugal: Como é que veio parar ao meio musical, foi algo que quis desde sempre, ou que apareceu por acaso?
Richie Campbell: Eu sempre gostei muito de música, ir parar à música como profissão é que foi um bocado por acaso. Eu já cantava quando era miúdo no coro da escola, estava sempre a cantar, mas foi no 9ºano que me juntei com os meus amigos e começámos a tocar por brincadeira e depois foi-se transformando numa banda um bocado mais séria e foi por aí.

MIP: Essa foi a primeira banda, mas existiram 2 bandas antes da carreira a solo, correto?
Richie Campbell: Sim, esta foi a primeira, chamava-se Stepacide, e tinha muitas coisas boas e muitas coisas más, porque eram miúdos que nunca tinham feito música, nem eu nem nenhum dos músicos, e então tivemos que passar por muita aprendizagem. E havia uma mistura de géneros clara, que era cada um gostava de uma coisa diferente, mas a base era o reggae.
Depois mais tarde tive outro projeto que era No Joke Soundsystem, que apareceu paralelo a este, mas era um coletivo de DJs de reggae, que é uma coisa muito típica da Jamaica, e foi ai que eu comecei a ficar mais atualizado no reggae que se fazia agora. E comecei a gravar músicas a solo, enquanto o outro projeto, com estas confusões todas de estudar, começar a trabalhar, etc., começou a abrandar um pouco, e eu comecei a focar mais no segundo, e comecei a gravar coisas sozinho, e foi daí que depois veio a transição para o meu projeto a solo.

MIP: E em que é que estas duas experiências ajudaram a ser o que é hoje como artista a solo?
Richie Campbell: Eu acho que as duas experiências ajudaram-me muito nas atuações o vivo, porque com a primeira banda, nós nunca gravámos ou editámos nenhuma música, nunca fomos para estúdio, não sei bem porquê. Acho que fomos uma vez e foi uma experiência aterradora, não funcionou bem, e então tínhamos uma coisa interessante que era nós não tínhamos músicas conhecidas, porque as pessoas não as podiam ouvir em casa, portanto cada concerto era um primeiro concerto, e a reação que nós tínhamos de ter das pessoas à música era imediata. E então aprendi a trabalhar com esse desconforto, e a verdade é que nós fomos crescendo sem músicas. As pessoas gostavam dos nossos concertos e fomos aumentando de seguidores.
E o projeto No Joke Soundsystem deu-me outra vertente da coisa, era um coletivo de DJs e eu estava com um microfone e tinha de animar às vezes festas que não estavam muito animadas e acho que perdi um bocado a vergonha nesses dois projetos e ajudou-me muito para este último.

MIP: Acha que o sotaque jamaicano que tem nas músicas o ajudou a ter mais sucesso e tornar-se no maior nome do reggae em Portugal? 
Richie Campbell: Em Portugal talvez não, até pode ser um contra porque muitas vezes as pessoas não percebem aquilo que eu digo. Mas foi uma coisa que veio naturalmente, porque ao ouvir tanta música, ver tantas entrevistas de outros artistas, estudar tanto o reggae, desaprendi a falar o inglês normal e sai-me o inglês com essa pronúncia.
Do ponto de vista da Jamaica e do mercado internacional é melhor, eu também acho que é melhor porque o jamaicano é uma língua muito musical, e que com a importância que a música tem na Jamaica automaticamente a própria língua é influenciada pela música ao longo dos tempos. Portanto é muito moldada pela música e encaixa perfeitamente no reggae, por isso eu não mudava, acho que é a língua ideal para estar nesse tipo de música.

MIP: Acha que de certa forma veio preencher uma lacuna na música feita em Portugal?
Richie Campbell: Isso talvez. Já desde 2005 quando o Gentleman apareceu e teve um sucesso gigante, começou a haver uma procura de projetos portugueses de reggae porque na altura não estavam preparados para lidar com aquela moda que veio de repente do reggae, por isso é que aquilo depois caiu um bocado… depois uns anos depois apareci eu, e de facto não havia muita gente em Portugal a fazer o mesmo.

MIP: A gravação do vídeo “That’s how we roll” foi feita na Jamaica. Como foi a experiência e como aconteceu?
Richie Campbell: Nós quisemos mesmo ir para a Jamaica e gravar um vídeo que mostrasse dois opostos completamente diferentes, era o branco de Portugal com ar de betinho e metê-lo no bairro mais problemático da Jamaica, e mostrar que somos todos iguais na verdade. E acho que o vídeo consegue mostrar bem isso. Tivemos em sítios complicados, muito complicados, mas acho que ao mesmo tempo que sai de lá com um grande vídeo também saímos de lá com mais noção de muitas coisas e de que muitas vezes as pessoas não têm culpa das circunstâncias em que nascem e em que crescem, e infelizmente isso influencia muito o caminho de cada pessoa.

MIP: Quem é a 911 Band?
Richie Campbell: Todos eles têm um historial já extenso no pequeno meio que é o meio do reggae em Portugal. O baterista é baterista de uma banda que são os One Love Family, que é uma banda de reggae composta pelo pai e a sua família. E ele toca bateria desde os seus 5 anos, por isso é uma pessoa que nasceu numa comunidade rasta e toca reggae desde que nasceu praticamente.
Depois o baixista e o teclista são irmãos e tocaram numa banda que foi uma grande influência para mim quando eu era miúdo, que eram os One Sun Tribe, da zona de Cascais. O nosso outro teclista tocou com Kussondulola e há sempre uma ligação a algum projecto anterior que eu admirasse… uma equipa All Stars foi esse o objetivo…
 
MIP: Tem quase 200 mil likes na página de Facebook. Como tem sido lidar com o público e o assédio dos fãs?
Richie Campbell: Tem 193 mil, eu estou sempre a ver. Via Facebook é mais difícil porque eu gostava de responder às pessoas todas, tinha essa política de responder a toda a gente. Não é possível. Porque respondo uma vez, a pessoa responde novamente e às tantas tem-se 193 mil conversas à frente. Infelizmente não dá para dar essa atenção toda.
No dia-a-dia lido bem. Sem deixar que isso suba à minha cabeça, a parte importante na verdade é – cada pessoa que vem falar comigo é sinal que o trabalho está a ser bem feito, e é também uma chamada de atenção para a responsabilidade que tenho por estar nesta posição. E são as pessoas que me pagam o ordenado e têm de ser tratadas com muito respeito.

MIP: Tocou em vários festivais de Verão. Acha que no Verão as pessoas estão mais viradas para o reggae do que no Inverno?
Richie Campbell: É verdade e eu odeio que isso seja assim… E já disse várias vezes que reggae não é música de Verão, porque é que reggae é música de Verão? Porque infelizmente a maneira como o reggae foi introduzido à nossa sociedade foi associado a essas imagens do surf e da praia porque veio de um país das Caraíbas, e o reggae é muito mais do que isso. Acho que as pessoas, sem dúvida, estão muito mais interessadas em reggae no Verão precisamente porque têm isso na cabeça.

MIP: E o que é o reggae?
Richie Campbell: Quando se escolhe bem as músicas o reggae é uma enciclopédia de lições de vida. Se formos estudar, o reggae ou qualquer música que seja feita na Jamaica, eu consigo encontrar quase uma música sobre qualquer coisa, sobre o que eu quiser. Estou a pensar sobre isto e há uma música que aborda esse tema, e eu acho que o legado do reggae que mais me diz é esse mesmo, é o cobrir de uma data de problemas e situações que ocorrem na vida de toda a gente, e que eles conseguem desconstruir e falar de uma maneira, têm o poder de conseguir pôr as coisas numa outra perspetiva e é isso que eu tento também fazer às vezes.

MIP: Essa é a mensagem que tenta transmitir?
Richie Campbell: A mensagem é exatamente essa, e o grande desafio é aperfeiçoar essa mensagem e torná-la cada vez mais clara, e conseguir passar mais dessa mensagem cada vez mais.

MIP: Ao longo desta tournée, existiu alguma data em particular que o marcasse mais?
Richie Campbell: Sim, o Festival do Crato. Nós tivemos uma tour ótima, não houve nenhum concerto que tenha corrido menos bem, tiveram todos completamente cheios e isso foi ótimo. Mas por alguma razão o Festival do Crato foi, sem dúvida, um dos que nos ficou na cabeça porque o ambiente naquele sítio foi qualquer coisa de espetacular.

MIP: Comparando o público lá fora, com o público português, é muito diferente?
Richie Campbell: Completamente diferente. O público português é o melhor público de todos e cada vez me chateia mais ver pessoas lá fora a dizer o mesmo, porque é uma coisa boa, só que para nós que estamos habituados ao público português, quando vamos lá para fora é sempre um bocado uma desilusão, e fico logo com vontade de voltar. Mas também tenho sorte de ter nascido cá e poder tocar (para o público português) quando me apetece. Mas fica-se com uma ideia que no mundo todo é assim e não são de fato, nós vivemos muito mais. No outro dia vi os 30 Seconds to Mars e falavam de Portugal, que são uma banda gigantesca que tocam em todo o sitio e que falavam especificamente de Portugal, por isso cada vez há mais provas que o público português é o melhor.

MIP: Os seus gostos musicais passam só pelo reggae ou vão também para outros géneros musicais?
Richie Campbell: Os meus grandes ídolos são de reggae e de soul, porque eu sempre gostei muito de grandes vozes. Tenho ídolos como por exemplo o Luther Vandross, que é um clássico do soul americano, e morreu antes de eu o poder ver infelizmente. Outro que também já morreu, o Donny Hathaway, eu gostava bastante dessas grandes vozes da black music americana. E para além disso também há muitos jamaicanos do antigamente que são mesmo os meus ídolos a sério.

MIP: Campo Pequeno – Já não é uma estreia, há no entanto ainda um frio na barriga?
Richie Campbell: Não, quer dizer há só na complexidade que vai ser este espetáculo, que para mim vai ser nova. DVD, tantos convidados, há um trabalho para tudo bater certo que é um bocado complicado e inimigo da descontração, mas como o nervosismo só faz mal, eu consigo eliminar isso e sacudir antes de entrar.

MIP: Falou em DVD, convidados, o que é que o público vai poder esperar nesse dia?
Richie Campbell: Temos uma novidade entretanto, uma dupla portuguesa de dancehall, um género musical que se faz na Jamaica, um hip-hop feito na Jamaica, que se chama  Supa Squad vai fazer a primeira parte do concerto. São uns miúdos que estou a apoiar, e tendo uma sala daquele tamanho cheia de pessoas que gostam de reggae, acho que é fácil dar esse espaço.
Depois vamos ter o Dengaz, que sempre que eu puder vou tê-lo no meu concerto, e ele vice-versa, espero eu… Richie Stephens, que conheci este ano e gravámos uma música para o álbum dele que foi editado este ano, e o Gentleman precisamente pela importância que tem para mim como exemplo de carreira a seguir. A base do concerto são estes convidados e um concerto baseado nesta tour toda que eu fiz este ano que está cada vez melhor obviamente porque já tocámos tanta vez este ano. E para além disso como vamos filmar o DVD, as pessoas podem esperar muito mais coisas a acontecer para tornar o DVD interessante.

MIP: O setlist vai ser diferente ou vai-se manter o mesmo?
Richie Campbell: Vai ser maior. A base, o esqueleto da lineup é o mesmo, porque está testado e mais que testado e as pessoas gostam, mas como não temos um tempo finito de atuação, temos mas nós é que o podemos definir, estamos mais à vontade. E como sabemos que as pessoas pagaram para me ver a mim, o que não acontece nos festivais, eu próprio me sinto mais relaxado para tocar o que me apetecer, demorar o meu tempo e aproveitar melhor.

MIP: Sendo o último concerto deste ano, como define esta tournée?
Richie Campbell: A parte mais importante que eu tiro desta tournée é a sorte que é poder fazer uma tournée destas. Nem todos os artistas conseguem fazer uma tournée com mais de 40 datas durante uma carreira inteira. E venha o que vier, só ter conseguido fazer isso já é motivo para eu estar contente e nunca mais me esquecer.
Este concerto vai ser o melhor de todos, mesmo que já tenham visto um concerto, vai ser o melhor de todos. E se não virem, depois só veem o DVD…

MIP: Planos para o futuro?
Richie Campbell: Natal, Passagem de Ano… e assim que começar Janeiro vou parar de tocar, vou-me refugiar no estúdio e vou começar a gravar coisas novas, sem pensar se vou lançar um álbum já ou o que vou fazer. Quero ir para o estúdio e só escrever e escrever e depois decidir o que faço com isso, como é que dou o próximo passo.

Entrevista realizada por: Anabela Santos Pico
Fotos arquivo do MIP: autoria – cigarettesofstone

Convite de Richie Campbell para o concerto no Campo Pequeno:
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