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Entrevista | Rita Braga fala-nos de “Gringo in São Paulo” – “Este disco foi um momento de viragem”

“Gringo in São Paulo” é o novo EP de Rita Braga, sucessor do aclamado álbum de estreia “Cherries That Went To The Police”, editado em 2011. O disco chega às lojas no final deste mês de março. A edição física é um vinil de 7” com os temas “Gringo in São Paulo” e “Erosão”, acompanhado de um download card com os cinco temas que integram o EP.

Em entrevista ao Made in Portugal (MIP) a artista Rita Braga (RB) desvendou-nos um pouco mais do seu novo disco e dos projetos para o futuro.

«No ano passado dei mais de 40 concertos na Europa, a maioria fora de Portugal»

MIP: Quatro anos depois de ter editado o seu álbum de estreia apresenta agora novos temas, em formato EP. O que a levou a estar este tempo sem apresentar um novo trabalho? 
RB: Desde que lancei o “Cherries That Went To The Police” no final de 2011, apresentei esse disco em Portugal mas estive também uns períodos fora. Especialmente no Brasil, onde conheci vários músicos em São Paulo, com quem houve logo muita empatia e com quem formei uma banda que me seguiu em tour de uma forma muito espontânea (a quem chamei “Indiozinhos Psicodélicos”), o que me fez voltar em 2013 e trabalhar neste disco e vivenciar uma outra cultura, outra forma de pensar.

Depois o facto de não ter encontrado uma editora também fez com que as coisas levassem mais tempo até que este disco fosse editado, e só quando conheci o produtor alemão Marc Behrens, consegui dar o ponto final de terminar as misturas, masterização e capa. Agora que tenho base no Porto já começo a preparar um próximo álbum a solo, mas durante alguns anos não tive uma base propriamente. Mudei muitas vezes de casa, dediquei-me mais aos concertos e atuações ao vivo e a todo o trabalho de pré-produção, porque também na maior parte dos casos não tive agente para as tours e andei eu a fazer os contactos… em suma, houve menos trabalho de estúdio do que de apresentações ao vivo. No ano passado dei mais de 40 concertos na Europa, a maioria fora de Portugal, mas foi porque passei muito tempo a fazer esses contactos.

«este disco foi um momento de viragem»

MIP: No seu primeiro álbum reinterpretou temas oriundos de vários países e em várias línguas. Contudo, agora, apresenta-nos cinco temas originais e inéditos. Sentiu necessidade de interpretar algo ‘mais seu’?
RB: Sim, este disco foi um momento de viragem em que a partir daqui interessa-me mais editar composições minhas. Apesar de as minhas versões terem um cunho pessoal, e ao vivo misturar tudo porque aí interessa-me especialmente o lado da performance e interpretação. Mas sim, nesta fase sinto necessidade de escrever mais. Não só para futuros discos, mas também para filmes e animação. Estender o trabalho na música para vários campos, também desenvolver workshops etc.

MIP: Podemos dizer que “Gringo in São Paulo” é um pouco biográfico?
RB: Sim. Tento que seja tudo orgânico. A minha vida pessoal e o meu trabalho estão muito ligados, diria que não se separam. E a maioria das canções são subjetivas, mas o single é até muito literal: uma “marchinha de carnaval” acerca de morar num 18.º andar no centro de São Paulo, no meio da confusão.

«Para mim a música popular e a teatralidade jogam muito bem»

MIP: Quatro dos temas são cantados em português, mas, apesar da língua ser a mesma, cada tema é cantado com um sotaque diferente e até, de certa forma, remete um pouco para um registo “teatral”. Porque esta opção?
RB: Eu nunca tive aulas de canto, mas exploro o meu registro vocal ao fazer várias personificações, por assim dizer. Vou buscar muitas referências, e surgem personagens diferentes. Encaixa com o trabalho, ou pelo menos com este disco, esse lado eclético quase de cada canção, contar uma história ou um poema diferente através de uma voz diferente. Às vezes mais despida, como em “Erosão”, ou mais cartoon ou à la Carmen Miranda e no final em modo Bob Dylan como no single, ou mesmo em falsetto como em “Poetas do Fim do Mar”. Nesse tema inspirei-me no sotaque brasileiro de alguns cantores populares da rádio do Brasil dos anos 30, tal como o Sílvio Caldas, Vicente Celestino, Francisco Alves, que se aproximavam muito do nosso sotaque português. Essas músicas continham um tom sério e de lamento, mais próximo do Fado ou da operetta italiana, muito diferente do estereótipo que existe do Brasil. Esse é talvez o tema mais dramático no disco, mas com exagero e humor. E muito ênfase na letra “R”. No final há um momento prog rock ou quase Deep Purple, instrumental, num estilo muito associado ao género masculino (com o Bernard na guitarra elétrica e baixo e o Mancha na bateria). Tentei criar alguns momentos inusitados e de contraste, neste disco assumi mais controlo na produção (no disco anterior a produção foi do Bernardo Devlin). Para mim a música popular e a teatralidade jogam muito bem.

MIP: O videoclip de “Gringo in S.Paulo” é uma animação, realizada por  Vuk Palibrk. É importante para si, no seu processo criativo, ver as suas letras/histórias representadas neste formato? 
RB: Sim. Acho que os videoclipes são uma forma muito boa e imediata para divulgar música, e identifico-me com o formato porque para mim o lado visual é muito importante (tenho algum background nas artes visuais, trabalhei um pouco em ilustração e animação). Para isso convidei artistas cujo trabalho gosto e admiro. Conheço o trabalho de ilustração, banda desenhada e animação do Vuk Palibrk há muitos anos, desde que toquei num festival de banda desenhada na Sérvia em 2006. E para o segundo clipe (“Erosão”), convidei o realizador Ricardo Leite, do Porto, que tem um trabalho super interessante com filme de 16mm que revela à mão, às vezes com materiais orgânicos e não tóxicos como o café, água oxigenada, ou mesmo vegetais. É o verdadeiro alquimista. Parte foi rodado em película de 16mm, outra gravada em vídeo 4k UHD com cores muito reforçadas (a pós-produção e montagem foi do Pedro Neves/Red Desert).

«neste EP juntei músicos da cena musical do rock e da cena tradicional brasileira»

MIP: O disco conta com a participação de outros músicos. Como surgiu a oportunidade de eles fazerem parte deste trabalho?
RB: O Binho Miranda, designer de São Paulo, foi o meu primeiro contacto nessa cidade antes da minha chegada, e marcou-me um concerto na Casa do Mancha e outro em Bragança Paulista, uma cidade do interior. No segundo dia em São Paulo, o Binho apresentou-me ao Mancha (dono da Casa do Mancha, que começou por ser a sua casa privada e depois se transformou em local de concertos e estúdio de gravação) e nessa ocasião conheci outro músico, o Diogo Valentino da banda Supercordas, e os dois sugeriram acompanhar-me na bateria e baixo. Eu hesitei, devido aos poucos dias que
faltavam para o concerto e porque a minha música não é necessariamente fácil para qualquer pessoa acompanhar. É boa para músicos intuitivos mas mais difícil para músicos muito técnicos porque eu não toco sempre tudo igual. Mas foi logo muito fácil para eles, e o Diogo depois chamou o Bernard Simon Barbosa, na guitarra elétrica, e o Binho chamou o Gustavo Cabelo, da banda Trupe Chá de Boldo, para o cavaquinho e segunda guitarra. Aí nasceu a minha primeira banda de formação rock, de forma muito espontânea, e ao final de cinco dias e com alguns ensaios, demos o nosso primeiro concerto e eles seguiram-me em tour no interior de São Paulo e no Rio de Janeiro. Essa banda – a que
chamei “Indiozinhos Psicodélicos” – foi a principal motivação para regressar ao Brasil e fazer um disco com eles, nessa altura tocámos repertório do meu primeiro disco. Quando regressei em 2013, a formação alterou-se um pouco e conheci outros músicos mais ligados a estilos mais tipicamente brasileiros como o samba: o pianista José Vieira e o percussionista Pedro Falcão. Com eles montei um pequeno espetáculo musical e teatral, “Juju e Seus Balangandãs”, em que interpretámos temas populares brasileiros dos anos 20 e 30 com voz, piano, pandeiro e cuíca mais no estilo de cabaré (há um exemplo no disco que é a 6ª faixa – bónus, uma versão ao vivo da “Dama do Cabaré” do Noel Rosa).
O resultado neste EP foi que juntei músicos da cena musical do rock e da cena tradicional brasileira, o que penso que não é muito frequente. Convidei também o Peri Pane para o tema “Erosão”, um cantor e compositor que toca violoncelo com um trabalho a solo muito interessante, e o Matheus Zingano tocou guitarra acústica na parte final do tema “Gringo in São Paulo”. Por fim o Chris Carlone, com quem colaboro há muitos anos, participou no tema “Tralala”, e é o único músico que não é de São Paulo e que colaborou à distância e enviou as gravações pela internet, tal como no “Cherries That Went To The Police” (mora em Nova Iorque).


MIP: A edição física é um vinil de 7, que inlui os temas “Gringo in São Paulo” e “Erosão”, acompanhado de um download card com os cinco temas do EP. Porque esta opção?
RB: Pensei em vários formatos possíveis, sendo que o CD seria a última opção. Como são 5 temas, sobraria muito espaço num vinil de 12”. Haveria mais opções, mas acabei por optar por um clássico
single de 7” que é simultaneamente um EP na versão digital com 5 músicas e uma faixa bónus ao vivo, com o acesso a todas as músicas em formato digital através do download card.

MIP: Os concertos de apresentação do EP estão marcados para 26 de março na ZDB e dia 27 de março no Passos Manuel. O que pode o público esperar destes espetáculos? Haverá convidados?
RB: Desta vez não haverá convidados, mas várias convidadas internacionais. Nestes concertos, para além da apresentação do EP, vou dar a conhecer a minha mais recente colaboração, com o coletivo MårDiČu. São três performers (Merima Dizdarević, Ida Christina e Vladica Čulić) cheias de talento que conheci em novembro passado durante uma residência que fiz em Malmö. A Ida é de naturalidade sueca, a Merima é da Bósnia e a Vladica é sérvia mas são residentes na Suécia há muitos anos. Tocámos no mesmo festival, o AltCom (de banda desenhada independente mas com um programa paralelo de concertos), e convidei-as para participar no meu concerto seguinte, numa noite chamada Too Cute To Puke!, geralmente de clubbing, em que os dj’s passam música feita essencialmente por mulheres.
Correu muito bem, e elas agora vêm a Portugal pela primeira vez, especialmente para o meu lançamento: fazem uma performance na primeira parte dos concertos e depois participam no meu set com diversos instrumentos e acompanhamento vocal. A componente visual nelas é muito forte e será uma noite muito colorida. Haverá ainda projeções em vídeo pela artista americana Martha Colburn.

Acompanhe Rita Braga em:
www.superbraguita.com
www.ritabraga.bandcamp.com

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